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Regimento Escolar e a nova legislação contra a violência na escola

Atualizado: 7 de fev.

Novo paradigma na escola: o regimento escolar orientado para a restauração e para o aprendizado coletivo.

Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Alícia Freijo Rodriguez

Helena de Oliveira Rosa

6 fev. 2024


A foto retrata uma sala de aula perfeitamente alinhada, organizada em fileiras, com a visão do aluno orientada para a lousa e para a mesa do professor. Imagine esta imagem com estudantes sentados, em silêncio, apenas ouvindo o que o mestre tem a dizer. Esta é uma visão disciplinar da escola que remonta à ideia que se tinha, no século passado, sobre a disciplina e o comportamento que se esperava que os discentes tivessem. Contudo, o século XXI chegou desmontando as velhas estruturas disciplinares, trazendo positivamente para o ambiente escolar a criatividade, o diálogo, o movimento e a interação. Esse mesmo século também ampliou problemas já existentes: exclusão dentro e fora da escola; violência; questões relacionais e problemas psicossociais que tem tornado o ambiente escolar pouco amigável e, muitas vezes, marcado por relações baseadas no conflito.


Inspiradas pela experiência profissional de consultoria em gestão escolar para mais de 100 escolas municipais, as autoras deste artigo discutem como a construção e/ou revisão coletiva do Regimento Escolar (RE) pode ser uma ferramenta eficiente na pactuação de novos parâmetros para os relacionamentos no ambiente escolar, como, também, para a adoção de uma perspectiva menos punitiva e mais restaurativa.


Nova legislação

A Lei 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, já atribuía à escola o dever de tomar medidas de prevenção e combate a diversos tipos de violência, entre elas, o bullying. No dia 15 de janeiro de 2024 foi sancionada a Lei 14.811/2024, que incluiu no Código Penal os crimes de bullying e cyberbullying. A nova legislação aumentou o escopo de proteção da criança e do adolescente contra violência e aprofundou os deveres da escola em relação ao tema.


Contudo, para ser concretizada, e de fato produzir resultados positivos no ambiente escolar, essa legislação deve ser articulada com outras, como a Lei 14.819/2024, que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares. Também é importante promover a intersetorialidade com programas já existentes, como o Saúde nas Escolas, e as ações de Assistência Social, por exemplo.


não adianta também termos novas legislações que se tornem letra morta. É fundamental que o poder público crie formas de implementação para todas as redes de ensino públicas e privadas e que também exerça uma fiscalização sobre a implementação dessa nova legislação no Brasil - Aponta Ariel de Castro Alves, advogado e ex-secretário do Conanda.

Para aplicar a lei e criar ambientes escolares seguros é necessário refletir, planejar e agir. Tudo começa com a elaboração de planos de prevenção de violência e de consolidação da cultura de paz, que sejam sistemáticos, tenham metas a serem alcançadas e sejam monitorados periodicamente pelo poder público, com a parceria da sociedade civil.


Nesse caminho, é fundamental atualizar os Projetos Político-Pedagógicos (PPP), incluindo ações concretas que respondam aos principais problemas de aprendizagem, sem os aspectos fundamentais da formação integral do aluno, como ética, empatia, competência relacional, entre outras . Dentro desta perspectiva, é Regimento Escolar (RE) precisa refletir a legislação de prevenção e combate à violência na escola. Sendo de natureza administrativa e normativa, se caracteriza não apenas como um conjunto de regras que define a organização didática, pedagógica, disciplinar e administrativa da instituição de ensino, fundamentado na proposta pedagógica. Ele também orienta comportamentos, assumindo um papel educativo na comunidade.


Como alinhar o Regimento Escolar às leis de prevenção à violência?


Já vimos que ao ser elaborado, o RE deve ter como bússola o PPP da escola, fazendo cumprir suas diretrizes, como, também, a legislação vigente. Contudo, para quebrar velhos paradigmas, o processo de construção de normas comuns aos membros da comunidade escolar deve resultar da colaboração e da pactuação entre gestão escolar e todos os segmentos dessa mesma comunidade, alinhando-se ao princípio da gestão democrática. Sua construção colaborativa auxilia no aprofundamento do engajamento da família, professores, alunos e funcionários com o bom funcionamento da escola, como também fortalece a autonomia pedagógica e a escuta e o diálogo com as instâncias colegiadas. Nesse sentido, não se pode perder de vista os princípios da educação pública de qualidade social: aprendizagem na idade certa, com equidade, inclusão e respeito à diversidade.


Além disso, é preciso olhar para esse documento não apenas como um conjunto de regras que, se forem quebradas, resultam em punição. Chegou o momento de encararmos o RE como um documento que resulta de uma pactuação. Um combinado entre os membros da comunidade sobre o ambiente escolar e os relacionamentos intra e extra escola que desejam cultivar, estabelecendo critérios e limites sem culpabilizar, mas buscando o aprendizado coletivo.


Para orientar nesse caminho, elaboramos algumas perguntas para reflexão:


Pergunta1 - O Regimento da minha escola está de acordo com a nova legislação?

Toda vez que o Projeto Político-Pedagógico da escola é atualizado, ou surge uma nova legislação que tem potencial para afetar as normas escolares, é preciso atualizar o RE, em acordo, em primeiro lugar, com a Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Também precisa espelhar as leis definem as bases para o respeito aos direitos humanos dentro da escola.


É importante que equipe gestora e o conselho escolar estudem conjuntamente o escopo legal existente e deliberem sobre como eles serão integrados ao RE. Para isso, leve em conta, no mínimo, as seguintes normas:


  • Lei n. 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

  • Lei n. 13.185/2015 - Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying)

  • Lei n. 14.811/2024 - Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares.


Para orientar na construção do documento, alinhado às diretrizes pedagógicas, também é importante consultar:


  • Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

  • Deliberação CEE/SP N.10/97

  • Deliberação CEE n° 138/2016 

  • Diretrizes Nacionais

  • Resolução CNE/CEB no 5/09 (EI) 

  • Resolução CNE/CEB no 7/10 (EF) 


Por último, observe o que diz a legislação do Sistema Municipal de Ensino do qual a sua unidade faz parte.


Pergunta 2 - Quem participar da elaboração do Regimento Escolar?


Toda a comunidade escolar pode ser mobilizada e engajada no debate para a construção do documento: profissionais da educação, funcionários, pais e responsáveis, e alunos. A parte administrativa pode ficar a cargo dos gestores escolares. Contudo, é o Conselho Escolar que coordena todo o processo de discussão, elaboração e alteração do RE.


Pergunta 3 - O Regimento da minha escola deve ser igual ao de todas as outras unidades da Rede?


O Sistema Municipal de Ensino pode optar por elaborar um RE único para todas as unidades escolares da Rede de Ensino. Contudo, esse modelo não pode ser fruto apenas do trabalho técnico da equipe gestora. É fundamental que seu escopo seja construído com a participação do Fórum de Conselhos Escolares e do Conselho Municipal de Educação. Serão estes colegiados que debaterão questões relacionadas, por exemplo, a ideia que se tem sobre disciplina e indisciplina na escola, à luz da literatura, e sempre levando em conta a realidade da comunidade, da família e os aspectos psicossociais.


Outra questão importante é que deve ser garantido um espaço no documento para que as particularidades de cada unidade escolar sejam contempladas. Isso vale para escolas que oferecem diversas etapas e atendem variadas faixas etárias, por exemplo.


Finalmente, o mundo contemporâneo exige cada vez mais que as normas regimentais estejam de acordo como o princípio da restauração e da mediação de conflitos, e não da punição. Afinal, os problemas de indisciplina vividos na escola, não raro são fruto de um contexto muito mais amplo, que precisa ser considerado no momento de elaborar o documento.


Pergunta 4 - Qual o conteúdo do Regimento Escolar?


Há alguns pontos essenciais que precisam ser contemplados no RE:

  • Normas a serem seguidas, os direitos e deveres de todos os membros da comunidade escolar.

  • Objetivos da escola

  • Os níveis de ensino que oferece e como a Unidade Escolar opera.

  • Tudo que acontece, na prática da escola, deve ser regulamentado por ele.

  • Deve conter as responsabilidades de cada um dos segmentos que compõem a unidade escolar, como forma de garantir os direitos e deveres da comunidade escolar.


Pergunta 5 - Quem aprova o Regimento Escolar?


Atendendo ao que dispõe o art. 11 da LDBEN, o RE é ser aprovado pelo Conselho de Escola e homologado pelo órgão executivo do Sistema Municipal de Ensino ou Prefeito Municipal. No art. 23 da Deliberação do CEE n.138/2016 de São Paulo, fica definido:


As Prefeituras Municipais, por meio de seus órgãos próprios, serão responsáveis pela autorização e supervisão dos estabelecimentos de sua própria rede e das instituições privadas de educação infantil, nos termos do artigo 11 da Lei 9394/96, excetuados os casos previstos no § 3o do artigo 1o da presente Deliberação. - CEE N. 138/2016.

Para os municípios que ainda não aprovaram o seu Sistema Municipal de Ensino e optaram por integrar-se ao Sistema Estadual de Ensino, todo o processo regulatório para o Ensino Fundamental e Médio segue as normas deste sistema. Neste caso, a autorização do Regimento Escolar passa pela Diretoria de ensino a que se encontram vinculados.


Para refletir


O Regimento Escolar não pode ser punitivo, tratando a indisciplina e tudo aquilo que está fora das regras como ofensa, estabelecendo-se a culpa como princípio e a punição como consequência. Ele deve ser orientado pelo princípio da restauração, buscando-se a origem dos problemas, por meio da criação de espaços de diálogo, nos quais se estabelece a melhor forma para reparar danos e promover reconciliação. Precisa quebrar velhos paradigmas, assumindo seu papel educativo, ao ensinar às crianças, aos adolescentes e à comunidade, o bom convívio escolar e social, a valorização dos valores éticos e responsabilidades sociais. Tanto em sua construção, como na implementação, o Regimento precisa gerar aprendizado de habilidades que estimulem o diálogo, a cooperação e a solução pacífica dos problemas.

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