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Diagnóstico como base para políticas de patrimônio cultural

Atualizado: 11 de mai. de 2020

Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Quando o professor da Escola Técnica (Etec) de Santa Rita do Passa Quatro, Eric Martins, convidou-me para ministrar uma palestra para os seus alunos do curso técnico de turismo receptivo, senti-me duplamente desafiada. Primeiro, eu deveria usar um aplicativo de streaming para interagir com o público, em uma oficina que, há anos, costumo oferecer de maneira presencial e com atividades práticas. Segundo, eu teria que falar sobre patrimônio cultural para futuros profissionais de turismo, que atuarão em um município conhecido como estância climática e que não possui, ainda, uma política pública de preservação do patrimônio devidamente estruturada.


O primeiro desafio foi facilmente transposto com a ajuda das habilidades do meu anfitrião, que não apenas resolveu minhas dificuldades tecnológicas, como também mediou e incentivou os participantes nas atividades práticas. A outra parte na qual fui desafiada já foi uma história um pouco diferente: tive que me reinventar e tentar colocar-me na posição de quem me ouvia, pensando em suas dificuldades de atuação no campo do turismo cultural; suas angústias como cidadãos santa-ritenses; e, principalmente, suas expectativas.


Confesso que, ao falar de turismo cultural, fiquei pensando muito menos em ensinar e muito mais em aprender. Enquanto falava e ouvia os alunos, meu cérebro funcionava rapidamente, pensando em estratégias para que um município de cerca de 28 mil habitantes pudesse fomentar a cultura local e gerar trabalho e renda a partir do seu próprio potencial, que se revelava rico em possibilidades.


No trabalho prático, os participantes deveriam diagnosticar as referências culturais do município para compor um mapa de turismo de Santa Rita. Janaina, uma arquiteta, apresentou-me a importância do casario histórico do centro da cidade. Segundo ela, ainda é possível andar pelas ruas e apreciar um conjunto harmônico e preservado, mas ameaçado pelo avanço das demolições e pela descaracterização das fachadas, que vêm ocorrendo. Na cidade existe apenas um bem tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat), órgão de preservação do estado de São Paulo: a Estação Ferroviária, local em que funciona o Museu Zequinha de Abreu. Em 1999, a Lei n. 2.295 criou o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural. Em 2006, o Art. 20 do Plano Diretor definiu como uma das diretrizes gerais da política ambiental a promoção “do patrimônio cultural edificado e dos sítios históricos, mantendo suas características originais e sua ambiência na paisagem urbana, por meio de tombamento ou outros instrumentos, e orientar e incentivar o seu uso adequado”. Mesmo com o suporte legal existente, Santa Rita do Passa Quatro não possui bens tombados pela prefeitura. Também não há projeto de educação patrimonial, voltado a conscientizar a população sobre a importância do seu patrimônio para o fortalecimento da cidadania.


Situação parecida é encontrada em muitos outros municípios: a política pública foi criada por lei, mas não foi implantada. Para efetivamente desenvolver uma política de patrimônio, o município precisa elaborar um plano de ação para essa área. O primeiro passo é conhecer os elementos que constituem as identidades culturais da localidade. Começar por um amplo diagnóstico é sempre a melhor estratégica. A partir do mapeamento preliminar, é possível pensar em como fomentar a salvaguarda não apenas das edificações, mas também do patrimônio imaterial, aquele caracterizado pelas celebrações, formas de expressão, ofícios e modos de fazer.


Com essa ação, a prefeitura poderá criar um plano de desenvolvimento, que proponha a geração de trabalho e renda, a partir de produtos tematizados, que ressaltem a história do lugar e de seus habitantes, apresentando o patrimônio cultural tangível e intangível de Santa Rita. Essa é uma maneira de ampliar o conhecimento sobre a cultura local e emocionar a população e o visitante, para assim construir relações afetivas com o lugar.

Para que você, leitor, entenda melhor o que quero dizer, vou voltar à palestra que ministrei aos alunos da Etec. Uma das ouvintes era a Lucileia Fardin, que, ao participar da atividade prática proposta em aula, fez questão de falar dos doces e compotas que ela e outras mulheres fazem. Os “Doces da Léia”, como são conhecidos, são vendidos não apenas na cidade, mas também na região. “Os médicos de Ribeirão Preto adoram meus doces”, disse, com orgulho incontido. Eric, por sua vez, falou sobre a família Ferronato e as suas várias receitas com milho. “O cheiro delicioso é inconfundível”, divagou, enquanto, obviamente, sua memória afetiva o transportava à Feira do Produtor, que ocorre aos sábados pela manhã. Já no Colégio das Madres, pode-se comprar macarrão caseiro e outras guloseimas, lembrou Mauro, que não perdeu a oportunidade de frisar que o local é uma edificação histórica. Zequinha de Abreu, a quermesse, os vitrais da matriz. Um atrás do outro, os alunos foram listando os exemplos de bens de natureza material e imaterial de Santa Rita, revelando a riqueza da sua diversidade cultural.


A essa altura da apresentação, eu já estava absolutamente convencida de que o meu primeiro passeio turístico, pós-pandemia da Covid-19, será em Santa Rita do Passa Quatro (é isso mesmo, eu vergonhosamente ainda não conheço a cidade). Já planejando a viagem e quantas pessoas eu levarei comigo, perguntei: No site da prefeitura eu posso encontrar essas informações para me orientar em minha visita? Porque, certamente, eu comprarei os doces das muitas Lucileias que devem existir na cidade; o macarrão das Madres; e os produtos de milho dos Ferronato e de outras famílias. Um dos alunos deu a resposta: “Parece que a prefeitura não gosta ou não pode divulgar negócios privados”.


Opa! Para tudo! Como assim, não pode? Pode sim!


Com o diagnóstico dos bens culturais que fazem referência à identidade dos grupos formadores do município em mãos, a prefeitura poderá respaldar-se em critérios sólidos para incentivar negócios a partir da cultura local. Afinal, está no escopo da prefeitura a promoção do desenvolvimento socioeconômico do seu município e a garantia de qualidade de vida para a sua população.


Enfim, sem os elementos inerentes a uma política pública de patrimônio cultural, eu terei que contar com os queridos alunos da Etec para, gentilmente, me acompanharem e me apresentarem a cidade. A eles e aos demais habitantes de Santa Rita e de outros municípios, deixo as reflexões deste texto para que, quem sabe, se inspirem a iniciar um movimento de valorização do patrimônio cultural de sua localidade, buscando, em sua história e naquilo que é parte de sua tradição e identidade, os elementos estratégicos para o desenvolvimento sustentável da comunidade.

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